Ler/ouvindo : The doors (qualquer música).
Eu
só tenho meia hora. Esse foi espaço de tempo a que me limitei, nada de ir além,
Juntei minhas coisas apressadamente na tentativa de não esquecer nada. Engraçado,
quando o tempo quando é apertado e os minutos são contados, meu cérebro
funciona à mil, sem tempo pra divagações, entra em uma sintonia mecânica
desastradamente perfeita com meu corpo, era quarta-feira. Dia morto.
Uma
tarde em que as pessoas deveriam se dar o luxo para observar, para serem
observadas, para se observarem. Uma tarde obsoleta, rica, mas sempre acaba
sendo o dia mais enfadonho, mais desgastante, parece que nas quartas à tarde, o
mundo resolve desandar além do normal.
Todas
as luzes do apartamento estavam apagadas, o telefone tocava pela terceira vez
seguida, não queria atender, não tinha tempo para desligá-lo, eu só tenho meia
hora. Quando se tem pressa, a sensação que fica é a de fazer mil coisas sem que o tempo tivesse
passado, como se cinco minutos fossem
suficientes para afazeres que costumamos fazer no triplo de tempo. Como se eu
conseguisse jogar tudo na mala, procurar meus documentos, escrever um bilhete,
chamar um táxi e ainda restasse meia hora, ou no máximo teriam se passado dez
minutos, quando na verdade meu tempo estava no fim. As paletas das cortinas
estavam entreabertas, uma luz amarelada do sol de fim de tarde caia sobre os
móveis ocupando o vazio do apartamento, enquanto sobre o chão as sombras
formavam um quebra-cabeça incompleto.
Sentei-me
junto à cama, segurei a caneta e tentei escrever no verso de uma propaganda que
estava sobre a mesa, e só me vinha à cabeça, eu só tenho meia hora. Ora, é
óbvio que em meia hora eu não
conseguiria me justificar, achar uma explicação sensata para uma fuga
desastrada. Justificativas, sempre me
incomodam, quer dizer, a ausência dela
me incomoda, especialmente quando sou vítima dela, quando tal surge diante de uma situação completamente fora do
contexto em que se vive, quando
supostamente tudo se preenche, quando supostamente há felicidade, conforto e de
uma hora pra outra ela surge, digo a ausência se torna presente, e junto com
tal ausência surgem os diversos outros vazios: pessoas presentes que se tornam
ausentes, o tempo que era farto que se torna escasso, e o ponto sólido que
fazia com que tudo fosse suportável, some
e eu fico sem chão.
Tornar-me-ei
a própria ausência , assim decidi, diante de todos esses fatores que não tenho
mais peito para encará-los.
Na
noite anterior eu tinha sonhado com ela, por menos de dois minutos em meio
a tantos outros sonhos aleatórios, que
certamente não vou lembrar, era noite, tudo se movimentava, sensação de andar
em uma calçada de uma avenida em horário de pico, andávamos em sentidos
contrários até nos esbarrarmos, ela estava com o cabelo curto, acompanhada da
irmã, nos abraçávamos, e comemoramos o
encontro como se fossemos amigos que estavam ausentes há muito tempo. Acordei em seguida.
Há
tempos eu tento desrespeitar uma regra, uma constância em minha vida que
permuta entre viagens e despedidas.
É
impressionante o quanto reluto em me adaptar a certos padrões e limites, cheguei à conclusão do quão difícil e massacrante, acho que essa é a
palavra ideal, massacrante. Moldar-me a
modelos que nunca imaginei serem pra mim, tipos de vida pré-fabricados,
mas se não fosse isso o que iria ser? Que norte eu iria tomar se minha bússola
parece estar sempre quebrada. Eu invejo muito quem consegue premeditar tudo,
organizar cada ano, cada passo, e prolongar por muito tempo a sensação de estar
no caminho certo, de ter as diretrizes corretas e assim se sentir calmo e
feliz, eu invejo pra caralho! mas como
ia dizendo cheguei a conclusão que em
anos de conflitos, sentir-se sozinho e perdido não são todos que agüentam, de
fato são poucos que suportam olhar para o lado e não ver nada, não conseguir
enxergar um ponto a sua frente, submeter a você mesmo a necessidade de
compartilhar com os outros seus passos é necessário auto-conhecimento, e isso só a vida proporciona, não se produz e
nem se compra, só a vida.
O
telefone toca. Foda-se o telefone. Eu só
tenho meia hora.
Esqueça
o táxi, esqueça as fotos, me sentia completamente alterado, como quem tem de
suportar uma enxaqueca e insônia às três da manhã depois de um dia infernal
regado de gente imbecil que não respeita porra nenhuma, nem mesmo o silêncio.
Desespero.
Aquele lugar estava insuportável. Pouco importava o que tinha na minha mala,
pouco importava o que eu estava deixando pra trás, pouco importava minhas
anotações. Eu só tenho meia hora.
Abri a porta
com pressa, ela estava do outro lado com o celular em mãos.
Desespero
era o que preenchia aquele lugar.
Eu
só tenho meia hora.
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