domingo, 30 de dezembro de 2012

Meia Hora.










 Ler/ouvindo : The doors (qualquer música). 


Eu só tenho meia hora. Esse foi espaço de tempo a que me limitei, nada de ir além, Juntei minhas coisas apressadamente na tentativa de não esquecer nada. Engraçado, quando o tempo quando é apertado e os minutos são contados, meu cérebro funciona à mil, sem tempo pra divagações, entra em uma sintonia mecânica desastradamente perfeita com meu corpo, era quarta-feira. Dia morto.

Uma tarde em que as pessoas deveriam se dar o luxo para observar, para serem observadas, para se observarem. Uma tarde obsoleta, rica, mas sempre acaba sendo o dia mais enfadonho, mais desgastante, parece que nas quartas à tarde, o mundo resolve desandar além do normal.

Todas as luzes do apartamento estavam apagadas, o telefone tocava pela terceira vez seguida, não queria atender, não tinha tempo para desligá-lo, eu só tenho meia hora. Quando se tem pressa, a sensação que fica é a de  fazer mil coisas sem que o tempo tivesse passado, como se  cinco minutos fossem suficientes para afazeres que costumamos fazer no triplo de tempo. Como se eu conseguisse jogar tudo na mala, procurar meus documentos, escrever um bilhete, chamar um táxi e ainda restasse meia hora, ou no máximo teriam se passado dez minutos, quando na verdade meu tempo estava no fim. As paletas das cortinas estavam entreabertas, uma luz amarelada do sol de fim de tarde caia sobre os móveis ocupando o vazio do apartamento, enquanto sobre o chão as sombras formavam  um quebra-cabeça incompleto.

Sentei-me junto à cama, segurei a caneta e tentei escrever no verso de uma propaganda que estava sobre a mesa, e só me vinha à cabeça, eu só tenho meia hora. Ora, é óbvio que em meia hora  eu não conseguiria me justificar, achar uma explicação sensata para uma fuga desastrada.  Justificativas, sempre me incomodam, quer dizer,  a ausência dela me incomoda, especialmente quando sou vítima dela, quando tal  surge  diante de uma situação completamente fora do contexto em que se vive,  quando supostamente tudo se preenche, quando supostamente há felicidade, conforto e de uma hora pra outra ela surge, digo a ausência se torna presente, e junto com tal ausência surgem os diversos outros vazios: pessoas presentes que se tornam ausentes, o tempo que era farto que se torna escasso, e o ponto sólido que fazia com que tudo  fosse suportável, some e eu fico sem chão.

Tornar-me-ei a própria ausência , assim decidi, diante de todos esses fatores que não tenho mais peito para encará-los.

Na noite anterior eu tinha sonhado com ela, por menos de dois minutos em meio a  tantos outros sonhos aleatórios, que certamente não vou lembrar, era noite, tudo se movimentava, sensação de andar em uma calçada de uma avenida em horário de pico, andávamos em sentidos contrários até nos esbarrarmos, ela estava com o cabelo curto, acompanhada da irmã, nos abraçávamos, e comemoramos  o encontro como se fossemos amigos que estavam ausentes há muito tempo.  Acordei em seguida.

Há tempos eu tento desrespeitar uma regra, uma constância em minha vida que permuta entre viagens e despedidas.

É impressionante o quanto reluto em me adaptar a certos padrões e limites,  cheguei à conclusão  do quão  difícil e massacrante, acho que essa é a palavra ideal, massacrante. Moldar-me  a modelos  que nunca imaginei  serem pra mim, tipos de vida pré-fabricados, mas se não fosse isso o que iria ser? Que norte eu iria tomar se minha bússola parece estar sempre quebrada. Eu invejo muito quem consegue premeditar tudo, organizar cada ano, cada passo, e prolongar por muito tempo a sensação de estar no caminho certo, de ter as diretrizes corretas e assim  se sentir calmo e feliz,  eu invejo pra caralho! mas como ia dizendo cheguei a conclusão que em anos de conflitos, sentir-se sozinho e perdido não são todos que agüentam, de fato são poucos que suportam olhar para o lado e não ver nada, não conseguir enxergar um ponto a sua frente, submeter a você mesmo a necessidade de compartilhar com os outros seus passos é necessário auto-conhecimento,  e isso só a vida proporciona, não se produz e nem se compra, só a vida. 

O telefone toca.  Foda-se o telefone. Eu só tenho meia hora.

Esqueça o táxi, esqueça as fotos, me sentia completamente alterado, como quem tem de suportar uma enxaqueca e insônia às três da manhã depois de um dia infernal regado de gente imbecil que não respeita porra nenhuma, nem mesmo  o silêncio.

Desespero. Aquele lugar estava insuportável. Pouco importava o que tinha na minha mala, pouco importava o que eu estava deixando pra trás, pouco importava minhas anotações. Eu só tenho meia hora.

 Abri a porta  com pressa, ela estava do outro lado com o celular em mãos.

Desespero era o que preenchia aquele lugar.

Eu só tenho meia hora.


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