sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

sempre volta.


Eram três da manhã, as luzes baixas da luminária realçavam o contorno do corpo e o brilho da pele morena encostada na varanda, enquanto ela fumava e cantarolava a melodia que saia do piano quando Amy Duncan tocava suavemente cada nota. Deitado no sofá , pouco me importava o corpo cansado, minha vista fadigada, pois meus olhos não paravam de fitar os dela, nesse momento a respiração forçada já não incomodava, eu estava feliz, a apresentação tinha sido fantástica, lugar excelente, maravilhosa recepção do público, muitos amigos, minha volta ao recife não poderia ter sido melhor, depois de doze anos a mesma cena se repete, eu deitado no sofá da minha sala vendo a mulher que me fez pegar o primeiro vôo, há doze anos atrás , com destino à minha decadência. Eu tinha largado tudo, talvez tudo fosse exagero, mas um emprego estável, meus livros, minhas aulas, meus amigos, minha vida. Sei que jogando cem por cento da culpa nela, eu me sinto melhor, mas pode-se dizer que setenta por cento do erro foi de minha autoria e os outros trinta, um amor mal-curado, o que certamente cobre qualquer parcela de um erro, independentemente da porcentagem, um amor mal-curado é pior que cachaça barata, além de sair queimando, te deixa mais torto que o normal, mais infeliz, não te dá barato e por fim te deixa ressacado. Até hoje eu me pergunto se ainda é válido me arriscar de novo , mas eu sempre acho válido, mesmo sabendo que nunca vai dar certo, ela uma atriz, eu um músico perto dos trinta, mas o peso da idade me coloca na casa dos quarenta. Apesar de uma excelente atriz, nunca consegui ver uma apresentação por completa, eu tinha medo de acabar me encantando ainda mais por ela, pela forma que interpretava cada personagem, pois se só por ela eu quase chego ao fundo do poço, senão cheguei, foi por pouco, imagine se juntasse todas as heroínas e vilãs que ela interpretou durante uma vida. Na verdade eu nunca consegui resolver qualquer coisa que seja sozinho, sempre vi tudo pronto, por isso achava válido gastar metade do que ganho para resolverem meus tributos, mas eu precisava dela como uma diretriz, uma bússola para minha vida, que me guiava desde o momento que eu acordava até o último segundo antes de dormir, e o que me dava mais tranqüilidade
era quando eu acordava de madrugada, estendia o braço e tocava o corpo dela ao meu lado, isso me dava à calma que porre nenhum poderia me dar e a certeza que minha insônia não voltaria tão cedo. Foram décadas, dividindo a mesma casa, mesmo quarto, mesma cama, o mesmo sorriso, amor, cheiro, gosto, corpo e a mesma vida, mas chegou uma hora que resolvi juntar todas os folhas, cada pedaço de memória e jogar tudo de uma vez contra uma ventania bem forte e ficar esperando qual desses recortes irão grudar em mim, caso voltassem, mas quando voltaram ficaram pra sempre presos em mim, abrindo as feridas uma por uma deixando todas bem expostas. Não sei se por sorte ou vício, mas ela voltou.

2 comentários:

  1. PUTA QUE PARIU. tá muito foda velho. larga direito e vira escritor

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  2. Nossa que texto massa Mau! Adorei, nem sabias que tinhas um blog vou dar uma checada sempre!
    Continue com boas produções como essa e nossa adorei tuas referências musicais no texto.
    Bjus
    Renatinha(gge)

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