sábado, 28 de novembro de 2009

O homem que matei


Eu acordei muito cansado, parecia que tinha dormido pelo menos umas trinta horas, mas mesmo assim ainda estava cansado, não fisicamente, mas não agüentava nem me imaginar pensando naquele momento, foi quando decidi levantar, passar um café, ver se tinha algum recado na secretária eletrônica, lembrei que não tinha pago a conta de telefone. Então resolvi ligar o som , peguei um borrão e uma caneta e comecei a rabiscar, enquanto ouvia aquela batida trincada do afrobeat e aquela voz aveludada dos cantores de blues dos anos 50. Eu, sinceramente não conseguia entender que merda tinha acontecido na noite anterior, eu me via dentro de um cinema, mais ou menos cheio, com duas pessoas do meu lado direito que eu nunca tinha visto na vida, que vez ou outra comentavam comigo algum trecho do filme, e na fileira de trás um casal que eu também nunca tinha visto, e na metade do filme começa uma discussão, o rapaz fazia alguns comentários que não me agradavam, eu respondia com mais agressividade, enquanto a filha da puta da mulher dele continuava incentivando-o, até que a discussão passou do limite, e naquela confusão, eu via um velho amigo do meu lado, enquanto eu matava um homem. Sai da sala e começava a caminhar, e vinha na minha cabeça, que a qualquer momento meu celular tocaria, e seria algum familiar me ligando, dizendo que a polícia estava a minha procura, comecei a inventar algumas desculpas, talvez fosse melhor negar, já que naquele cinema não tinha câmera, eles não tinham como provar que tinha sido eu o autor do crime, a sala tava escura, o que mais me intrigava era que ninguém tinha parado de assistir o filme nem desviaram os olhos da tela, durante a confusão, nem depois. Comecei a ficar mais nervoso, suava, tremia e comecei a andar só, não via mais as pessoas que me seguiam, acendia um cigarro atrás do outro, resolvi parar para comer algo, mas não encontrava nada aberto, e acabei entrando em uma rua, onde só via os rostos de pessoas conhecidas que aos poucos iam sumindo, uma por uma, desaparecendo assim que eu chegava mais perto, então tentei me acalmar, olhava para as propagandas coladas nas paredes dos prédios, mas não conseguia entender uma letra, só via as imagens, mulheres peitudas em propagandas de cervejas, família feliz na frente de um prédio em construção, mas não conseguia entender uma letra do que estava escrito, então, tentei lembrar de frases que eu já tinha visto, mas elas também iam sumindo aos poucos, letra por letra, vírgula, ponto, interrogação... ainda tentei me lembrar de algumas datas, revolução francesa, independência do Brasil, segunda guerra mundial, meu aniversário... e em dez minutos eu não sabia mais falar, não sabia mais andar, não sabia mais pensar, e eu ficava ali parado, sem poder me mexer, sem poder falar, e as pessoas iam sumindo uma por uma, até aqueles dois rapazes do cinema estavam sumindo, foi quando do meu lado esquerdo apareceu àquela mulher da fileira de trás, ela ria de mim enquanto sumia, mas eu não conseguia ver o homem que matei, eu já não conseguia me lembrar da fisionomia dele, ela continuava sumindo aos poucos, se aproximou de mim, acariciou meu rosto, com aqueles olhos verdes, não era alta, nem gorda , tinha um rosto rosado, cabelo na altura dos ombros, foi quando ela estirou os braços em minha direção e antes de sumir colocou um anel na palma da minha mão, mas aquele anel era meu, eu ganhei de uma prima numa viagem que ela tinha feito, eu tentava me explicar, mas pouco adiantava, não saia uma palavra da minha boca, e antes de desaparecer de vez, falou que pertencia ao falecido marido dela, o homem que matei.

Nenhum comentário:

Postar um comentário